quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez



"José Arcadio não se atreveu a sair de casa por vários dias. Bastava escutar a gargalhada trepidante de Pilar na cozinha para se esconder correndo no laboratório, onde os aparelhos de alquimia tinham revivido, com a bênção de Úrsula. José Arcadio Buendía recebeu com alvoroço o filho extraviado e iniciou-o na busca da pedra filosofal, que tinha por fim empreendido. Uma tarde, os rapazes se entusiasmaram com o tapete voador, que passou veloz ao nível da janela do laboratório, levando o cigano condutor e várias crianças da aldeia, que faziam alegres cumprimentos com a mão, e José Arcadio Buendía nem sequer olhou. "Deixe que sonhem", disse. "Nós voaremos melhor que eles, com recursos mais científicos que essa miserável colcha". Apesar do seu fingido interesse, José Arcadio nunca entendeu os poderes do ovo filosófico, que simplesmente lhe parecia um frasco malfeito. Não conseguia fugir da preocupação. Perdeu o apetite e o sono, sucumbiu ao mau humor igual ao pai diante do fracasso de alguma das suas empresas, e foi tal o seu transtorno que o próprio José Arcadio Buendía o liberou dos deveres no laboratório, achando que ele tinha levado a sério demais a alquimia. Aureliano, evidentemente, percebeu que a aflição do irmão não tinha origem na busca da pedra filosofal, mas não lhe conseguiu arrancar nenhuma confidência. Tinha perdido a sua antiga espontaneidade. De cúmplice e comunicativo fez-se hermético e hostil. Ansioso de solidão, picado por um virulento rancor contra o mundo, certa noite abandonou a cama como de costume, mas em vez de ir à casa de Pilar Ternera perdeu-se no tumulto da feira. Depois de perambular por toda espécie de máquinas de diversão sem se interessar por nenhuma, fixou-se em algo que não estava no jogo: uma cigana muito jovem, quase uma garota, afogada em miçangas, a mulher mais bela que José Arcadio tinha visto na vida. Estava entre a multidão que presenciava o triste espetáculo do homem que se transformara em víbora por desobedecer aos pais."


Quem me conhece, sabe: García Márquez é de longe meu autor favorito. Adoro realismo fantástico, e ele é o mestre, na minha opinião. Cem Anos de Solidão foi o livro que reacendeu minha loucura por leitura, então é sempre o primeiro livro que me vem à mente quando alguém me pergunta qual o meu favorito. É rápido, as coisas acontecem sem te dar chance pra respirar. E você tem que ler com muita calma, de preferência anotando os nomes, porque, acredite, não conheço uma só pessoa que tenha conseguido acompanhar na primeira tentativa. Os nomes se embolam, você se perde e tem que começar tudo outra vez. É fantástico.

Título original: Cien Anõs de Soledad
Subtítulo: -
Autora: Gabriel García Márquez
Tradução: Eliane Zagury
Editora: Folha de São Paulo
Assunto: Romance
Edição: -
Páginas: 383